PUBLICADO NO JORNAL A TRIBUNA EM 24/06
Milhões de mulheres em todo o mundo sofrem de dores crônicas e muitas vezes passam anos convivendo com patologias que não recebem a atenção e tampouco o tratamento adequado. Infelizmente, quadros desse tipo começam bem cedo, antes mesmo da adolescência.
Muitos são os motivos que impedem a pouca atenção a tais sofrimentos: barreiras econômicas, fatores psicossociais e também uma cultura que revela como boa parte das dores femininas é encarada.
Podemos dizer seguramente que a maioria das mulheres já passou por situações de indiferença e até constrangimentos ao relatarem suas queixas, seja na família, no seu círculo social e até nos consultórios médicos. Ao falarem de suas dores, não é nada incomum ouvirem coisas do tipo “casa que passa”, “isso é coisa de mulher”, “isso é frescura, nem dói tanto assim”, e por aí vai.
Em meio a essa cultura que perpassa gerações (alimentada, inclusive por outras mulheres), vemos (ou não vemos) sérias doenças que sendo ignoradas e agravadas por não receberem um diagnóstico precoce a tempo de serem tratadas com a dignidade que precisam e merecem.
Um dos problemas mais ignorados no universo feminino são as cólicas menstruais, que afetam mulheres de todas as idades e podem começar ainda na adolescência.
Não faltam relatos dramáticos de pessoas que passaram por sucessivos momentos dolorosos causados por esse problema, tão ignorado por anos e anos e pode esconder doenças femininas muito sérias. Uma delas é a endometriose, patologia que afeta entre 10 a 15% das mulheres no Brasil, sendo um dos principais sintomas as cólicas intensas. E um dos seus desdobramentos mais graves é a infertilidade.
Um estudo recente, publicado no Journal of Pediatric and Adolescent Gynecology, descobriu que a endometriose é mais comum em adolescentes. Foram analisadas 1.243 meninas com dor pélvica e, dessas, 64% foram diagnosticadas com a doença.
Essa realidade é mostrada todos os dias por meio de relatos, inclusive de personalidades conhecidas, como jovens atrizes, bloqueiras e influencers, que descobriram o problema após anos de sofrimento e falta de investigação e tratamento adequados.
No geral, todas as pessoas podem sofrer de dores crônicas em algum momento da vida, mas vemos que a população feminina está entre as mais afetadas em razão de todo o descaso que muitas pacientes recebem ao contarem suas queixas. Por se tratarem de dores tão comuns, frequentes e não letais, não recebem a atenção devida.
Mudar esse quadro é uma necessidade urgente. Primeiro, as mulheres precisam se conscientizar de que dor não é normal, seja ela recorrente, rara ou comum a muitas outras. É fundamental buscar ajuda com um médico que ouça suas reclamações e realize uma investigação e promova o tratamento ideal para cada caso.
Igualmente importante é promover uma assistência digna a todas as mulheres. A saúde deve ser priorizada por meio de políticas públicas que oportunizem o acesso a consultas, exames e tratamentos que muitas delas hoje não conseguem ter e, por esse motivo, é algo que nunca podemos deixar de lutar e cobrar de nossos representantes.
Thaissa Tinoco é médica ginecologista e mastologista